quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A Pena de Pavão

        
        Conta uma lenda árabe que um nômade do deserto resolveu, certo dia, mudar de oásis. Reuniu todos os utensílios que possuía e de modo ordenado, foi colocando-os sobre o seu único camelo. O animal era forte e paciente. Sem se perturbar, foi suportando o peso dos tapetes de predileção do seu dono.
        Depois, foram colocados sobre ele os quadros de paisagens árabes, maravilhosamente pintados. Na seqüência, foram acomodados os objetos de cozinha, de vários tamanhos. Finalmente, vários baús cheios de quinquilharias. Nada podia ser dispensado. Tudo era importante. Tudo fazia parte da vida daquele nômade, que desejava montar o novo lar, em outras paragens, de igual forma que ali o tinha. O animal agüentou firme, sem mostrar revolta alguma com o peso excessivo que lhe impunha o dono.
        Depois de algum tempo, o camelo estava abarrotado. Mas continuava de pé. O beduíno se preparava para partir, quando se recordou de um detalhe importante: uma pena de pavão. Ele a utilizava como caneta para escrever cartas aos amigos, preenchendo a sua solidão, no deserto. Com cuidado, foi buscar a pena e encontrou um lugarzinho todo especial, para colocá-la em cima do camelo. Logo que fez isso, o animal arriou com o peso e morreu. O homem ficou muito zangado e exclamou:

“Que animal mole! Não agüentou uma simples pena de pavão!”

        Por vezes, agimos como o nômade da história. Não é raro o trabalhador perder o emprego e reclamar: “Fui mandado embora, só porque cheguei atrasado 10 minutos.” Ele se esquece de dizer que quase todos os dias chega atrasado 10 minutos.
        Outro diz: “Minha mulher é muito intolerante. Brigou comigo só porque cheguei um pouquinho embriagado, depois da festinha com os amigos.” A realidade é que ele costuma chegar muitas vezes embriagado, tornando-se inconveniente e até agressivo.
Há pessoas que vivem a pedir emprestado dinheiro, livros, roupa para ir a uma festa, uma lista infindável. E ficam chateadas quando recebem um não da pessoa que já cansou de viver a emprestar!
        Costuma-se dizer que é a gota d’água que faz transbordar a taça. Em verdade, todo ser humano tem seu limite. Quando o limite é ultrapassado, fica difícil o relacionamento entre as pessoas.
        No trato familiar, são as pequenas faltas, quase imperceptíveis, que se vão acumulando, dia após dia. É então que sucumbem relacionamentos conjugais, acabam casamentos que pareciam duradouros. Amizades de longos anos deterioram. Empregos são perdidos, sociedades são desfeitas.
        Tudo se deve ao excesso de reclamações diárias, faltas pequenas, mas constantes, pequenos deslizes, sempre repetidos. Mentiras que parecem sem importância. Todavia, sempre renovadas. Um dia surge em que a pessoa não suporta mais e toma uma atitude que surpreende a quem não se dera conta de como a sobrecarregara, ao longo das semanas, meses e anos.
* * *
Fique atento em todas as suas atividades diárias.
Não deixe que suas ações prejudiquem a outros, mesmo que de forma leve.
Não descarregue nos outros a sua frustração ou insatisfação.
Preze as amizades. Preserve a harmonia do ambiente familiar.
Seja você, sempre, quem tolere, compreenda e tenha sempre à mão uma boa dose de bom senso.

Redação do Momento Espírita com base no texto
A pena de pavão, de Djalma Santos, extraída do Jornal Laços Fraternos (RJ), março/2004


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Fenda da Certeza

Cidade das Sombras (City Of Ember)

No último fim de semana assisti um filme chamado Cidade das Sombras, quando vi na programação achei que fosse o Dark City (1998) que é fantástico também, mas não, esse Cidade das Sombras era o City of Ember que prendeu a minha atenção logo no começo e que, aliás, tem uma estética perfeita!
A história é sobre uma cidade, a única que se tem notícia a possuir energia elétrica, o resto é a mais pura escuridão. Esta cidade, Ember, foi construída no maior estilo JK-fez-Brasília e seus construtores deixaram instruções sobre como sair dela em segurança trancadas em uma maleta que só abriria 200 anos depois, uma estimativa do tempo que levaria para os geradores da cidade começarem a pifar, a comida a ficar escassa e as estruturas deterioradas.
De fato a cidade começa a ruir após os 200 anos e dois jovens seguem as instruções para sair de lá a salvos. Não querendo cometer o pecado mortal do spoiller, mas já cometendo, pois imagino que um filme como esse não é tão acessível na TV e dificilmente alguém vá alugar ou baixar. Então, ao sair da cidade eles descobrem que simplesmente moravam em um buraco, literalmente. Ember podia ser vista por uma fenda no chão, era apenas um pontinho luminoso de tão profunda.
Depois disso fiquei pensando... E se todos nós de fato vivermos em uma fenda?
Não uma fenda de fato (se bem que pensando bem... why not?), mas um buraco construído por nós mesmos que nos distancia da realidade.
Todos os moradores de Ember tinham a certeza mais profunda (rsrs) que a cidade deles era o único ponto habitável, seguro. Longe de ser verdade, era a certeza deles. Às vezes nós vemos o nosso mundo com tanta convicção que apagamos as outras possibilidades, as outras realidades.
Para mim, toda certeza é o começo do fim. Se você tem certeza não vai precisar buscar outras informações, nem saber outros pontos de vista, não vai ter perguntas, não vai ter nada. Só a certeza. Assim, se você tem uma certeza mais do que absoluta sobre qualquer questão, seja religiosa, política ou o que for, então você está numa fenda.
Estou longe de sugerir que não valha a pena ter uma opinião, é necessário e é muito bom. Só peço que se esforce para imaginar como seria se pelo menos uma de suas certezas estivesse errada. Também não acredito que você deva pensar exatamente o contrário do que sempre pensou, só que tenha dúvidas e que se possível você busque novas formas de ver, que saia da fenda.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Morte



             Quando eu era criança a morte simplesmente não existia. Acompanhei meus pais em muitos velórios e enterros, mas todos de pessoas que eu nunca havia visto na vida, pessoas muito idosas, parentes bem, bem distantes.
            Conhecia a morte pela televisão, pelo vídeo game. Aliás, não gostava de jogar vídeo game exatamente por isso, eu jogava mal – jogo mal até hoje! - e sempre morria. Claro que eu sabia que era só um personagem, mas eu ficava triste, achava muito horrível aquela história de morre e começa de novo, morre e começa de novo quantas vezes quiser, porque na vida não é assim. Se eu for engolida por uma planta carnívora gigante que sai de dentro de um cano enorme, não vai ter “play again”, não importando a quantidade de cogumelos que eu tenha comido!! Tudo isso sem falar dos desenhos animados onde ninguém morria por nada nesse mundo. E se morria, 10 segundos depois já aparecia de novo firme e forme pra receber outra bigorna na cabeça.
            Mas a morte de desenho animado é uma ilustração muito distante da morte de verdade. A pior face da morte é perda. As pessoas no geral não sabem lidar com a perda e é isso que faz da morte uma coisa tão assustadora.
E foi realmente um susto quando uma amiga, alguns anos mais nova que eu, morreu de salmonela. Era filha da minha professora da 2ª série, nós brincávamos juntas e foi aí que veio o pânico, a coisa se tornou real e podia ser comigo muito mais cedo do que eu podia imaginar. Crianças sempre pensam que só vão morrer bem velhinhas, bom, pelo menos era o que eu pensava.
            A morte é um assunto no qual não há como se afirmar muita coisa com plena certeza e por esse motivo é tão ligada à religião. É estranho como as pessoas da mesma religião costumam ter conceitos parecidos sobre a morte. É estranho que as religiões se utilizem da morte como sustentação, que sua filosofia de morte seja uma das suas características fundamentais. Religião deveria se preocupar com a vida.
            A Espírita é uma das que eu mais tenho curiosidade, mas nunca visitei e trata a morte de uma forma muito particular. Essa questão da reencarnação faz todo o sentido, mas sua função principal é tranqüilizar as pessoas de certa forma, dizer que a distância não é para sempre e ajudar a lidar com a perda. Ao mesmo tempo não deixa que as pessoas pensem que como há um “reset” podem fazer o que quiser sem haver conseqüências dos seus atos.
            É interessante como cada um tem sua opinião sobre a morte, mas todas elas são tiros no escuro porque ninguém tem experiência suficiente para isso e se a gente quiser saber mesmo como é a morte, vai ter que esperar. Tudo bem que eu não ligo de esperar mais uns 50 anos, e creio que nem você. Mas agora chega desse assunto, já está bom... Este texto morre aqui.